segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Eloy é o começo de sua melhor fase.

Eloy - Dawn (1976)

É justo dizer que Dawn marca um novo começo pro Eloy. Como a banda se desintegrou devido as diferenças decorrentes da interferência gerencial, surgiu quase que das cinzas um novo grupo com Frank Bornemann como o único sobrevivente daquela queda. Agora, com esse fluxo de novas ideias, também veio uma nova direção musical. Os extensos exercícios de rock e improvisação de outrora, desta vez, passam a ser substituídos por arranjos cuidadosamente orquestrados e estruturados. Uma linha menos space rock e mais progressiva sinfônica “tradicional”. É nítido o quanto que as guitarras e teclados estão mais integrados, geralmente se fundindo para formar uma parede de som que não soa muito diferente do Genesis – pra citar apenas um exemplo. O Hammond neste disco é apenas mais uma voz entre muitas.

Costumo dizer, que com essa nova formação, Frank conseguiu de fato se expressar verdadeiramente com o tipo de música que ele deveria tocar e parecia ser mais da sua preferência. A sonoridade é muito mais forte do que tudo feito até então, afinal, até mesmo os novos membros tinham mais talento musical, transformando a audição do disco em algo delicioso. 

Dawn é um álbum conceitual, mas sinceramente, uma das melhores maneiras de apreciar esse disco é ignorando completamente as suas letras. É difícil achar algum traço de coerência na sua história, parece ser uma espécie de sequela de The Power and the Passion, já que a sua “heroína”, também é mencionada algumas vezes aqui. Mas as letras são tão terríveis, que eu fico na dúvida se o baterista Jürgen Rosenthal – quem criou a história – não estava fazendo apenas um tipo de paródia e a ideia era não ser levado a sério. 

Algo extremamente elogiável neste disco é a sua combinação de belas cordas com o som característico do rock espacial da banda e alguns sons surreais de teclado. Em Dawn há uma boa mistura de cordas clássicas com a sonoridade espacial da banda que criam um som extraordinariamente único. Às vezes, muito pacífico, além de suave e ambiente, mas em outros momentos influenciado por jams características do space rock. 

Algo que também vale uma menção, é sobre o fato deste disco ser organizado de uma maneira progressiva, onde a maioria das músicas flui como se fossem movimentos em uma grande composição que abrange todos eles, sendo que eles não soam assim apenas em pequenas pausas. Então, em essência, Dawn pode ser encarado tranquilamente como uma música de quarenta e oito minutos. 

Para aqueles que já admiravam os discos anteriores da banda, Dawn é uma amostra clara que a banda ainda poderia evoluir ainda mais. Para aqueles que não gostaram dos primeiros álbuns, Dawn é uma mudança de direção que faz que qualquer um passe a olhar pra banda de uma maneira diferente. A voz de Frank não costuma ser um grande atrativo, mas sempre foi assim e isso é uma questão de ser superada. Nenhuma música do disco é fraca, porém, também não possui nenhum momento memorável ou inesquecível. De qualquer forma, um disco excelente e muito bonito, indicado a qualquer pessoa que goste de rock progressivo na veia sinfônica.

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O excelente rock progressivo sinfônico da Caixa de Pandora.

Caja de Pandora - Caja De Pandora (1981)

Há algo que eu adoro em relação as bandas latino-americanas, o fato de poder encontrar imerso em um determinado gênero muito mais do que ele normalmente tem a oferecer. Também é bastante comum, encontrar referências étnicas cuidadosamente misturadas com a sonoridade sinfônica, fazendo que no final, normalmente, seu som seja mais rico que o de bandas mais limitadas, digamos assim. Caja de Pandora se encaixa em exatamente nisso tudo, suas referências folk não são tão claras como em outros grupos, mas ainda assim, existem, e de tal maneira, que se você não ouvir atento, não irá percebê-las. Já na sonoridade sinfônica, os elementos são mais evidentes, mas quanto mais se ouve com atenção, mais se descobre sobre eles. 

“Apocalipsis” começa de maneira bastante forte, teclados exuberantes e às vezes até mesmo distorcidos, onde as habilidades de Alejandro Lomelin são mais do que evidentes. Mas ainda assim, tem um probleminha, depois de um minuto se torna um pouco repetitivo, até que chega o solo dramático de guitarra que encerra a faixa com um humor diferente. 

“Cuento De Hadas” tem uma introdução folclórica bastante estranha e que fica difícil de definir se foi inspirada na música nativa americana, maia ou oriental, mas no fundo, este mistério é uma de suas belezas, preparar o ouvinte pra nada específico. Mas há uma breve mudança que a coloca orientada para uma sonoridade frenética, mas logo, a música se transforma em uma suave trilha sinfônica fluida interrompida por seções curtas nas quais a atmosfera da introdução da música é repetida. 

“Ilusion” tem a introdução baseada em um baixo jazz, com um piano rápido que aprimora o estilo, além de uma bateria sólida, porém, a música gradativamente começa a se transformar em uma forma suave de rock sinfônico, mesmo que por vezes, sofra explosões instrumentais. Os solos distorcidos de guitarra são brilhantes e edificam a faixa. 

“Requiem Para El Silencio” mostra novamente um lado mais jazzístico da banda, pode ser apenas uma impressão, mas eu sinto certa influência de Focus nas suas atmosferas mais suaves. Após um minuto, o que acontece, é uma grande e drástica mudança para uma elaborada fantasia sinfônica neoclássica, mas apenas por um curto período antes de voltarem às seções jazzísticas que são mantidas até o fim. 

“Horizontes” traz o ouvinte de volta para o território sinfônico, uma música com mais energia e poder que as anteriores que eram mais calcadas no jazz, mas pra ser mais honesto, também noto algumas influências de AOR, especialmente nos teclados típicos dos anos oitenta. “Camino Magico”  é sem a menor dúvida uma das melhores faixas do álbum. O começo é suave e sincopado, mas não demora muito para se transformar em uma expressão complexa de progressivo sinfônico, onde novamente é possível notar influência no Focus, especialmente nos solos de guitarra.  

“Reunion” é uma pequena faixa jazzística com umas incursões de hard rock e uma performance de piano e mudanças surpreendentemente abruptas que funcionam muito bem como uma introdução para a dramática “Luz En La Obscuridad”, que me faz lembrar William de Rossini, “Willian Tell Overture”, não digo nem que se pareçam em si, mas há algo de uma me lembra a outra, mas logo ela muda pra uma linha mais misteriosa e novamente jazzística, com um gerenciamento de ritmos excelentes muito bem aprimorado pelo piano. “Esperanza” é a menor faixa do disco e que apenas o encerra de uma forma melodicamente bonito.

Em sua versão original de 1981, estas são todas as músicas do álbum, mas tanto na versão de 1997 quanto na de 2010 eles liberaram três faixas bônus, mas que eu não irei falar sobre elas aqui – digo apenas que são ótimas -, pois sempre costumo falar somente sobre a primeira versão de cada álbum. 

Mas o que dizer sobre esse disco? Bom, antes de qualquer coisa, eu acho lamentável uma banda desse nível não ter durado mais do que dois verões.  Álbuns instrumentais são sempre arriscados e podem cair com muita facilidade no desgosto de qualquer um, mas eles fazem uma música empolgante e de grande beleza, sem deixar que em nenhum momento baixe a alta frequência da qualidade do disco.

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Versatilidade que flui formando um todo singular e magnifico.

Comedy Of Errors - Fanfare & Fantasy (2013)

Fanfare & Fantasy é o segundo álbum oficial da banda, um disco de brilhantismo incrível. A banda em uma procura intensa por maior profundidade musical, além de emoções e uma produção fantástica. Comedy of Errors não passeia apenas por caminhos clichês e comuns do progressivo, mas também constroem suas músicas com cuidado e firmeza de uma forma quase clássica e sinfônica. Não é nenhum exagero dizer que ouvir este disco também é uma experiência catártica. Dentro do neo progressivo mais primitivo, a música soa mais parecido com Pendragon e umas poucas pitadas de Marillion, mas acima de qualquer coisa, soa simplesmente como Comedy of Errors. 

“Fanfare For The Broken Hearted” começa lindamente, com a voz forte de Joe Cairney cantando por cima de um piano com fluxo característico da escola neo progressiva. A música não possui exatamente um toque que seja capaz de deixa-la dinâmica, mas por outro lado, ela possui segmentos e transições maravilhosas do começo ao fim, principalmente se focarmos mais nos teclados inventivos. Ainda entrega um solo impressionante de guitarra. Um começo que já diz muito bem o quão alto nível é o disco com que estamos lidando. 

“Something She Said” começa em um estilo que lembra um pouco Van der Graaf Generator, mas óbvio, tocado de uma forma mais simples, até pra que possa ser aceito mais facilmente pelos fãs e nem descaracterize demais a banda. O teclado é de um papel significativo para moldar o que é mais uma excelente composição – às vezes, as manobras são feitas em piano para aumentar a linha vocal que ainda possui um papel importante. E antes que eu me esqueça, possui mais um belo trabalho de guitarra.

“In A Lifetime” coloca um pouco mais de serenidade no álbum. Inicia com um trabalho de teclado ambiente e guitarra influenciada por Steve Hackett. Mas então que a música fornece um “soco” dinâmico e uma poderosa linha vocal que lembra a linha que o Pendragon segue. Os riffs de guitarra são simples, enquanto que a música acompanha o vocal em um ritmo relativamente médio. 

“Going For A Song”, novamente, nota-se uma influência em Steve Hackett por meio do preenchimento de guitarra logo no início, seguida por uma doce linha vocal que faz a música fluir em um estilo ambiente. Esta parte é bem legal e lembra bastante Genesis na formação clássica. Conforme ela vai se desenvolvendo, vai também criando arranjos complexos, o teclado assume com maestria a função de fornecer a seção rítmica de todo o trabalho de guitarra para acompanhar a linha vocal. Novamente, guitarra e teclado se entrelaçam em seus papeis maravilhosamente bem. 

“Merry Dance” é mais uma entre as três faixas relativamente curtas do disco, mas não deixa de oferecer uma seção de ritmos e sons bastante agradáveis, com isso, também constrói uma ótima plataforma para moldar a melodia geral do vocal. O solo de teclado é impressionante durante a peça de transição. A guitarra parece ser tocada de um jeito diferente. Há também um trabalho de teclado ao fundo que soa como um Mellotron, o que acaba deixando a música com uma cara progressiva sinfônica vintage. 

“The Cause” começa com uma grande explosão musical, mas logo se torna silenciosa, alguns sons de flauta – acho que feitos no teclado - seguido de uma música ambiente que inclui um ótimo trabalho de teclado e uma guitarra gilmouriana. Novamente, o vocal faz com que a comparação o Pendragon seja válida. O vocal é excelente e bastante acentuado durante toda a música. Possui algumas partes um pouco complexas em termos de arranjos, onde repentinamente o ritmo muda para uma levada mais rápida, com vocais calorosos, trabalhos inventivos de teclado, além de guitarras com riffs excelentes. Na música, ainda tem um ótimo solo de teclado e alguns de guitarra. Um destes solos de guitarra, inclusive, desta vez vem seguidamente a um solo de baixo que serve como transição. 

“Time's Motet And Galliard” tem um longo começo de teclado onde somente depois dos dois minutos a música muda um pouco, mas ainda assim, sem perder a sua essência. Esta faixa pode ser dividida em duas partes, a primeira, uma longa parte instrumental, enquanto que a segunda, já por volta dos quatro minutos e meio – com vocais -, tem um som sinfônico na linha do Yes, mas suave, nunca soando bombástica. “Remembrance” com apenas quatro minutos é a faixa mais curta do álbum. Uma música suave, emotiva, agradável e bastante relaxante. Sempre na hora do refrão os instrumentos se encontram e dão um gás maior na faixa, mas sem deixar que o seu teor dramático se perca. 

“The Answer” é uma faixa incrível e o disco não poderia fechar de forma mais apoteótica. Possui um começo bombástico, veloz e acrescido de teclados vertiginosos, mas saindo um pouco da linha teclado e guitarra de sempre, vale ressaltar aqui um trabalho de baixo que é excelente, por meio de linhas inspiradíssimas e bastante adequadas para a música. A peça então fica mais suave e ponderada, mas apenas por um minuto, quando novamente, ganha energia total. Real é que a faixa é uma espécie de montanha russa, onde há emoções em várias intensidades. Eu considero o solo de guitarra mais na parte final o mais bonito de todo o disco. 

Não se trata apenas de um disco indicado aos amantes de neo progressivo, mas também aos de progressivo sinfônico. Existe uma grande versatilidade em todas as faixas, com uma infinidade de influências e, no entanto, todas elas fluem juntas para formar um todo singular e magnífico.

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domingo, 24 de setembro de 2023

Rock progressivo sinfônico alemão raro e com muito órgão e sintetizadores.

Burning Candle - Burning Candle (1981)

A primeira vez que ouvi este power trio, confesso que não me chamou muita atenção, mas acho que muito disso se deve por minha culpa, pois não achei que uma banda alemã lançando um álbum de progressivo sinfônico no início dos anos oitenta  teria muito a dizer – ainda que as habilidades do tecladista Hans Peter Neuber tenha se mostrado de alto nível – e com isso, tornei minha audição preconceituosa. Porém, depois de mais alguns giros no disco, percebi que não se tratava de um clone alemão de Emerson, Lake & Palmer, mas que possuíam muitas coisas interessantes que os tornavam originais e até certo ponto, únicos. 

Algo que já deve ser deixado claro, é que a música do trio não repousa excessivamente na pirotecnia de um tecladista como acontece com Keith Emerson, cada um dos três membros desempenham um papel bem definido, trabalhando assim, como uma maquina muito bem lubrificada, em vez de uma forma que mais parece um concurso de egos. 

“Stranger” é a faixa de abertura e se mostra claramente orientada pela música do Emeson, Lake & Palmer. Possui solos abundantes de teclado, mas sempre com uma sensação jazzística, fato que consegue leva-los para uma direção contrária da maioria dos power trio dos anos 70. “Eternal Faith” é um belíssimo interlúdio para piano que apenas reforça a ideia de Hans Peter Neuber ser um tecladista com formação clássica. Considero uma boa mudança depois de um começo de disco frenético. 

“The Appearance Of The Ghost” é uma faixa magnifica que oferece exatamente tudo que um ouvinte de rock progressivo clássico pode querer – ainda que estejamos falando de uma faixa de um disco de 1981. Logo na introdução, a banda mostra uma carga vibrante e enérgica com uma boa fluidez de órgão e solos de moog, até que ela muda radicalmente, se tornando uma espécie de balada poderosa com Klaus Schmidt-Drempetic dando uma performance vocal muito sólida. A faixa ainda passa por outros momentos técnicos como o da introdução – que inclui um solo de bateria de Rolf Vitzthum -, sendo uma peça muito bem desenvolvida. 

“Mosella” é o tipo de música que eu confesso que jamais esperaria ver em um disco deste. Uma peça acústica que realmente conseguiu me surpreender completamente, mas eu gostei bastante e acho que trouxe um bom equilíbrio para o álbum. Esta faixa me remete a momentos como “Mood for a Day” (Yes) e “Horizons” (Genesis). 

“Expedition To The Sun” é a música que finaliza o disco com os seus quase quinze minutos. Ela soa extremamente próximo aos seus compatriotas do Eloy – mais precisamente no disco Ocean. Um intenso rock progressivo sinfônico, com linhas duplas de teclado apresentando texturas de órgão vintage com um fundo clássico e uma performance muito parecida com Genesis em relação aos sintetizadores. Definitivamente, eles deixaram o melhor para o final do disco. 

Claro que 1981 não se tratava exatamente de um dos períodos mais apropriados para experimentos progressivos, com isso, a banda se desfez não muito depois do lançamento do álbum. Desde então, Hans Peter Neuber se tornou um compositor prolífico de música eletrônica e new age, lançando toneladas de álbuns solo, alguns deles também apresentam a presença de seu colega de Burning Candle, Klaus Schmidt-Drempetic.

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Para ouvintes que gostam de rock mais atmosférico, sombrio e obscuro, principalmente para quem tem boa convivência com a música do King Crimson.

Anekdoten - From Within (1999)

Anekdoten é sem dúvida uma das mais sombrias e menos otimista entre todo o catálogo – que não é nada pequeno - de bandas que conheço e aprecio. Porém, diferentemente da maioria das bandas que decidem caminhar pelas vielas da música depressiva, aqui a sensação de desespero e solidão é alcançada com um pouco mais de luz, digamos assim. Anekdoten não faz uma música simplesmente sedada, repetitiva e narcoléptica, mas de uma forma mais “regular” – nem sei se exatamente seria essa a palavra –, sendo tocada nas notas mais graves, apenas com as notas e ruídos mínimos exigidos, em uma definição curta, enfim, uma música feita com delicadeza. 

“From Within” começa o disco em alto nível. Inicia-se com um rufar implacável de bateria e então um riff frenético de guitarra também se desenrola na faixa, tudo parece vir de uma mente insana. O clima fica ainda mais atmosférico com a chegada do piano e da voz meio embriagada. O que segue é uma música bastante sombria e muito sinistra com um rufar constante de tambores que ajuda a dar ao ouvinte a ideia de uma pessoa mentalmente descarrilada. Começo excelente para o disco. 

“Kiss Of Life” começa bastante enérgica. As teclas conseguem dar a faixa uma atmosfera bastante poderosa, enquanto isso, o vocal faz um trabalho lindíssimo. Um dos meus momentos favoritos do álbum. Uma música tão desolada quanto qualquer outra, mas também, mostra que mesmo no esquecimento, você pode tentar lutar – ainda que na própria música seja dito que é inútil, pois no final das contas é uma causa perdida. 

“Groundbound” é uma faixa que parece ainda mais com King Crimson, carregando com ela uma espécie de humor erótico – sem deixar de soar deprimente. Á peça soa como uma espécie de narcótico que ataca os seus ouvidos e depois o seu cérebro. Apesar de não ser excelente, é uma boa música. Possui uma seção intermediária que mesmo encaixando bem, acaba soando barulhenta demais pra mim. 

“Hole” é sem dúvida alguma a melhor música do álbum. Começa por meio de uma explosão musical bastante melancólica, pessimista e depressiva. Então que a faixa cai para uma atmosfera totalmente nebulosa e de ritmo lento, onde a aura ao seu redor parece querer nos levar a uma espécie de futuro sórdido e mórbido que nos espera. Dentro do seu núcleo, temos uma seção minimalista e silenciosa, porém, ainda cheia de emoção. Este “descanso” serve como uma espécie de calmaria que precede uma destruição total, sendo que os sons vão sendo acrescentados lentamente à música, até que a melodia do início volta com toda a sua perfeição depressiva. Dentro do universo da música obscura, pode ser considerada uma obra-prima. Mas apesar disso, a música não é obscura de uma forma maldosa e pejorativa, mas obscura por ilustrar uma alma perdida e de espirito desamparado. 

“Slow Fire” tem um começo bastante pesado, beirando a sonoridade metálica. A maneira como a banda representa aqui a obscuridade em um tipo mais maligno, perigoso e até mesmo demoníaco é incrível. Em alguns trechos, eu sinto certa semelhança com o Radiohead - só que sem ser cansativo. No fim, é uma ótima faixa. “Firefly” é mais uma música de atmosfera sombria, porém, soa menos retrô do que o restante do álbum – exceto pela sua produção. Confesso que ela é a música menos interessante do disco, pois a acho um pouco repetitiva. Não é ruim, mas acaba ficando apagada em meio a tantas faixas excelentes. 

“The Sun Absolute” é uma música igualmente sombria ao que estava acontecendo até agora, mas mais enérgica. A linha de baixo é algo tão persistente que confesso que pode chegar a irritar em alguns momentos. Os teclados, como sempre, conseguem fazer um trabalho que adiciona elegância à atmosfera, porém, sem jamais perder a obscuridade. Uma ótima música instrumental, sem solos ou seções intrincadas, apenas uma excelente atmosfera alcançada por meio de uma incrível experiência sonora. “For Someone” fecha o disco muito bem ´por meio de uma balada acústica. Os vocais cantam em tom de lamentos sobre violão e teclas de melodias cheia de tristeza. Um breve final de disco que soa nostálgico e sombrio, mas sem deixar de ser inspirador. 

No geral, é um disco excelente e recomendado – como tudo da banda – para pessoas que gostam de rock mais atmosférico, sombrio e obscuro, principalmente para quem tem boa convivência com a música do King Crimson. Não recomendado para quem está atrás de virtuosismo ou demonstração técnica; e, principalmente, pessoas que buscam música para levantar o seu ânimo ou aumentar o humor. 

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O maior clássico da história rock progressivo argentino.

Bubu - Anabelas (1978)

Certa vez, li que Anabelas da banda Bubu, está para o rock progressivo argentino assim como Depois do Fim da Bacamarte está para o progressivo brasileiro. Primeiramente, eu não consegui entender bem em que sentido isso havia sido colocado. Pode ser por serem os discos de rock progressivo mais conhecidos fora dos seus determinados países. Mas se for em termos de qualidade, por mais que a obra dos nossos hermanos seja de uma qualidade altíssima, ainda acho que dos nossos compatriotas estão um pouco a frente – claro, isso não tira o fato de Anabelas também ser uma obra-prima.  

Bubu foi uma banda que oferecia em sua sonoridade algumas incursões de jazz-rock a la Frank Zappa – como uma discografia imensa, neste caso é bom enfatizar que falamos da era Grand Wazoo. Nota-se também algo de King Crimson com uma mistura ocasional de algo da cena de Canterbury, além de linhas clássicas sinfônicas encontradas no progressivo italiano. Com tudo isso, fica claro que se trata de um disco que o brilho fica nitidamente aparente logo na primeira audição, né? Mas não foi isso que ocorreu comigo, tendo eu, demorado um pouco mais para abraçá-lo e senti-lo como deve ser cada uma das suas três faixas. 

“El Cortejo De Un Día Amarillo”, com os seus quase vinte minuto,s é a faixa de abertura. É o tipo de suíte que pode levar um tempo para se acostumar, mas o resultado é compensador. É uma obra explicitamente caótica, com alguns metais dissonantes, trabalhos nada melódicos de guitarras - até violentos em alguns pontos – e incursões de flauta jazzísticas. A peça segue ferozmente por cerca de oito minutos, quando enfim se acalma e traz à tona um violino melancólico e arrebatador. A música então entra em um clima vanguardista, que em determinado ponto é possível notar uma influência no Magma. Após uma espécie de final falso, a música emerge por meio de uma flauta e um toque delicado de violão e linhas acentuadas de baixo, seguindo com uma leve crescente instrumental enquanto um coral e bateria também se juntam aos demais instrumentos. Por último, a guitarra de uma forma alta e poderosa confirma que estamos em um dos momentos mais fervorosos da música. Antes do término - agora definitivo -, os temas de abertura ainda fazem uma reaparição.  

“El Viaje De Anabelas” tem uma abertura de atmosfera misteriosa e vanguardista. Após esta abertura, segue uma seção vocal de fundo principalmente acústica. A princípio, eu até pensei em chamar de pastoral, mas possui uma aura tensa demais pra isso – incluindo uma pausa dramática de flauta, metais e violino. Uma faixa que não existe exatamente algum virtuosismo individual – ainda que possua bastante técnica -, mas pura criatividade composicional.  

“Sueños De Maniquí” é a faixa que finaliza o disco, um jazz-rock frenético, excitante e dissonante - não se engane com o seu começo ameno. Suas harmonias feitas em alta velocidade nem sempre são fáceis de acompanhar. Mas em determinado ponto, enquanto o violino rouba a cena dentro de todo o frenesi, a banda nos surpreende com uma parada abrupta seguida por uma mudança de andamento junta a entrada de vocais. A faixa vai se desenvolvendo em seu seguimento de jazz-rock por um tempo, mas depois é aplacada por uma passagem perturbadora com corais de influências góticas.  

Anabelas é um disco de sonoridade bastante moderna, sendo bastante surpreendente pensar que foi lançado em 1978. Se trata daqueles discos que pode interessar facilmente uma gama enorme de ouvintes, desde que estejam preparados a estar diante de algo desafiador. Um dos seus maiores trunfos, é a forma como a música se apresenta, sempre com um elemento surpresa, sendo quase impossível você imaginar o que estar por vir durante dos seus quase quarenta minutos. Sem dúvidas, o maior clássico da história do rock progressivo argentino.

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sábado, 23 de setembro de 2023

Para fãs de rock progressivo, hard rock, clássico mais clássico ou somente de uma boa música em geral.

Celelalte Cuvinte - Celelalte Cuvinte (1987)

Quando o assunto é Roménia, não são muitas as bandas que me vêm em mente. Mas ainda que pouco celebradas mundialmente, o país possui algumas pérolas, sendo, o autointitulado da banda Celelalte Cuvinte, lançado em 1987, um destes exemplos de joias quase perdidas.  

A produção original e o uso de uma boa variedade de instrumentos acústicos conseguem dar bastante dinâmica para este disco, apresentando músicas que vão variar de melodias folk de bons arranjos vocais a algo mais frenético na linha apresentada pelo hard rock dos anos 80 – com incursões progressivas e solos de guitarras de muito bom gosto, além de um trabalho excelente de seção rítmica.  Bom ressaltar também, que o álbum é cantado em romeno, porém, isso passa longe de ser um problema e tudo soa bem.  

“Scrisori Iubite”, com menos de dois minutos, é uma excelente introdução, com algumas boas incursões de flauta. Logo aqui, o ouvinte é apresentado aos vocais, que é um pouco estridente e não muito diferente do que podemos encontrar nas linhas de Geddy Lee ou mesmo Jon Anderson – mas neste caso, em menor grau. Se você não tem problema com as vozes mencionadas, dificilmente vai ter algum problema aqui. “Un Sfîrșit E Un Început” consegue apresentar ao ouvinte basicamente todo o clima que será encontrado durante o álbum. Uma mescla muito bem feita de partes suaves que são seguidas por momentos mais pesados. Mais uma música muito boa e que pode ser mencionada tranquilamente como um dos destaques do disco.  

“Dacă Vrei” apresenta a banda direcionando o seu som para algo muito mais lento e sentimental. Aqui, o ouvinte não vai se deparar com riffs ou momentos enérgicos. No entanto, é uma música bastante agradável e de melodia belíssima. No seu minuto final, a faixa ainda é impulsionada por uma melodia mais pulsante, mas não o suficiente para tirar a sua aura praticamente angelical.  “La Ceas Tîrziu” começa com um andamento lento e depois segue atmosférico. O trabalho em conjunto funciona muito bem e a banda entrega alguns grooves muito bons conforme a faixa vai ficando mais pesada. O baixo, em alguns pontos, é quem toma de conta. Bastante dinâmica, provavelmente seja a faixa mais progressiva do disco por meio de suas muitas mudanças de andamentos e ritmos. Quase totalmente instrumental, há apenas alguns poucos vocais. Uma música tão boa que os seus mais de sete minutos mais parecem três. Minha faixa preferida do disco.  

“În Zori De Zi” é aquele tipo de som que eu acho que tira um pouco o brilho do álbum. Não há muito o que dizer aqui. Uma faixa pesada, curta e que passa longe de carregar algum momento memorável como aconteceu com as anteriores. Eu nunca consigo entender as bandas que colocam faixas assim em seus discos, parece que estão tampando algum buraco, porém, esse buraco sequer existe, na verdade, estão mais é criando um buraco adicionando músicas assim.  

“Fîntîna Suspinelor” é a faixa mais longa do disco com quase dez minutos. Talvez a Phoenix – outra banda romena - não seja tão conhecida para ser parâmetro em termos de citação de influência aqui, mas há também reminiscências de Led Zeppelin. Começa com algo que parece ser um poema. Mais uma faixa que vai de suave à dinâmica soando muito progressiva por meio de boas mudanças de andamentos e ritmos. Possui uma belíssima flauta no seu final, nos fazendo lembrar do início da faixa, fazendo que tudo seja visto como um círculo completo. "Despărțire” é a faixa final e tem um clima que eu considero muito adequado para uma despedida de disco. Basicamente acústica, tem no seu último minuto uma emersão de toda a banda tocando um arranjo muito bonito.  

Este é um disco que pode facilmente ser apreciado por um tipo de público muito vasto, podendo agradar fãs de rock progressivo, hard rock, rock mais clássico ou mesmo de uma boa música em geral. As faixas possuem uma ótima variedade e garantem boas descobertas a cada audição. Não o classifico como uma obra-prima, mas mesmo assim, o considero essencial e de qualidade excelente.

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Músicos incríveis, muito jazz e fusion, além de música progressiva e divertida.

Frank Zappa - Hot Rats (1969)

Hot Hats é o segundo álbum solo de Frank Zappa. Tirando a segunda faixa, “Willie the Pimp”, que possui uma curta passagem vocal feita por Captain Beefheart, todas as demais peças são instrumentais. Certamente, pode ser considerado um dos pontos mais altos da carreira extremamente prolífica de Zappa, um disco de música muito límpida, sem falhas e bem estudada para produzir um registro incrível.  

Esse pode ser considerado o nascimento do jazz-rock? Apesar de eu não gostar muito de entrar nesse tipo de discussão, acho válida essa nomeação a ele, afinal, estamos diante de um dos mais historicamente importantes álbuns de toda a história da música progressiva. A música é de um brilhantismo maravilhoso e de execução excepcional. Mais surpreendente, é um disco de 1969, sendo algo diferente de tudo do que era encontrado em qualquer lugar naquela época.  

“Peaches en Regalia” é a faixa que abre o disco de forma melódica e lúdica. É possível notar alguns acenos à Emerson, Lake & Palmer – mas não tão evidentes assim. Carrega certamente aquele tipo de som que nenhum purista de rock progressivo terá problema em apreciar. Porém, vale ressaltar que a faixa apresenta muitos zappaismos e estranhezas típicas. Em alguns momentos, tudo se transforma em quase jazz puro. Belo começo de disco.  

“Willie the Pimp” começa com uma linha de violino proeminente muito boa, funcionando muito bem como uma “brincadeira” em uma pegada blues rock. É uma música adequadamente zappiana. Como já dito no início, é onde aparecem os únicos vocais do disco – embora eu ache que eles nem fossem necessários. O solo de guitarra de Zappa é efervescente, movendo sempre a música para frente e transformando a peça em uma jam session sensacional, que após uma verdadeira viagem, regressa para o tema inicial antes de chegar ao fim. “Son of Mr. Green Genes” possui uma performance excelente de jazz e uma ótima seção de instrumento de sopros, vibrafone e mais um solo de guitarra matador. Zappa consegue pegar um estilo antigo de composição e injeta uma execução pesada. Mais uma faixa bastante divertida, onde eu particularmente adoro do começo ao fim.  

“Little Umbrellas” é outra peça com boas incursões jazzísticas. Mais uma vez, é possível notar algo de Emerson, Lake and Palmer. Possui um ótimo riff de baixo vertical. Um rock progressivo com ideias funky e altamente melódico com as clássicas estranhezas da música de Zappa embutidas nele. “The Gumbo Variations” já começa com Ian Underwood explodindo em um saxofone de melodia fantástica, um solo nitidamente inspirado no free jazz. Com quase treze minutos, é a faixa mais longa do disco. Há alguns solos de violino que são matadores - Don 'Sugarcane' Harris sabia ser intenso como poucos - e mais uma vez, Zappa traz alguns trabalhos incendiários de guitarra. A música se desenvolve maravilhosamente bem, se movendo mais a frente para um território fusion. Todo mundo tem o seu tempo de ser o destaque na música, sendo que em determinado ponto, até a seção rítmica assume o protagonismo - mesmo que por um curto período. No final, a peça se transforma em psicodelia.  

“It Must Be A Camel” começa por meio de uma melodia suave que é puro jazz, mas que sofre uma mudança a partir da metade, ficando mais frenética e de atmosfera fusion. Em certa parte, a faixa se volta para a psicodelia, mas ainda sendo baseada quase que totalmente no fusion. Mesmo que em pequenos pedaços, há a marca registrada de Zappa por meio de algumas mudanças e voltas que funcionam muito bem.  

Hot Hats é o melhor disco da extensa discografia de Zappa? Não sei, isso é algo muito difícil de afirmar, mas uma certeza eu tenho, esse álbum é um dos registros essenciais se você quer ter em sua coleção somente o que de melhor o músico produziu. Músicos incríveis, muito jazz e fusion, além de música progressiva e divertida, sendo algumas faixas mais curtas e outras mais longas com um toque de humor aqui e outro ali.

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Um disco muito bem produzido e arranjado, peso na medida certa e vocais excelentes, além de altamente experimental.

Tool - Lateralus (2001)

Quando falamos de Tool e de Lateralus, falamos do magnum opus da banda e que dificilmente perderá esse posto algum dia. Uma verdadeira gama completa de texturas e sons. Do seu primeiro ao último segundo – ou quase isso, já que a última faixa não diz muita coisa - o que vimos é uma maturidade e complexidade – e até estranhamente excelente – musical que o coloca entre os grandes lançamentos desse século. Lateralus retrata a banda em uma performance para ser lembrada e ouvida continuamente, tendo em cada uma delas, uma nova experiência e descoberta.  

O melhor estilo da marca registrada do som da banda é encontrado aqui, suas sonoridades ambientais originais, algumas estranhezas e momentos de introspecção, além de partes sombrias e assustadoras. As guitarras muitas vezes soam barulhentas e sujas – quase grunge. Sendo esse o motivo de muitos fãs de grunge também ter um apreço pela banda, seria como se eles estivessem ouvindo uma espécie de “banda grunge progressiva evoluída”. A seção rítmica do álbum também é muito bem elaborada.  

“The Grudge” é onde o álbum inicia. Um baixo e bateria ponderado, com toques pesados, mas contidos de guitarra ao fundo. Após os primeiros versos, a banda explode em uma sonoridade furiosa – que dura somente alguns poucos segundos. A peça possui uma textura bastante intrigante. Mais à frente, tudo começa a se cadenciar em um ritmo bem mais lento, quase hipnótico, até que em determinado ponto, tudo explode em uma fúria total. “Eon Blue Apocalypse” possui pouco mais de um minuto. Atmosférica e melódica, serve muito bem como ponte entre a faixa anterior e a próxima.  

“The Patient” começa lenta e possui um processo de construção muito gradual. Essa lentidão se acumula até atingir um clímax tremendo. Os refrãos apresentam uma excelente harmonia entre os instrumentos e os múltiplos vocais. A faixa eventualmente explode e um final falso traz um seguimento totalmente enérgico. Então que os elementos de abertura voltam para finalizar a peça. “Mantra” é apenas mais uma ponte de sonoridade atmosférica - inclusive aqui eu percebo um aceno ao Hawkwind.  

“Schism” é uma música classicamente Tool, simplesmente perfeita do começo ao fim. Possui uma linha de baixo poderosa e um gancho vocal muito cativante. Ao mesmo tempo que é menos agressiva que as faixas anteriores - não contando com as duas pontes – aqui encontramos algo muito mais intenso e emocional.  Há uma ruptura instrumental que serve como reconstrução dos temas centrais e que soa bastante eficaz. A sua parte mais impressionante fica por conta da sua seção intermediária. “Parabol” é mais um interlúdio atmosférico, mas dessa vez, maior – mais de três minutos –, a primeira também dessas peças mais temperamentais a possuir vocais. Um som assustador e forte que emenda muito bem na próxima faixa.  “Parabola” se inicia por meio de um riff explosivo de guitarra, mas em seguida cai para um tipo de arranjo mais esparso. Apesar de possuir um refrão quase pop, a faixa não perde a sua veia pesada. Se trata de uma música muito energética e possivelmente está entre um dos momentos que soam mais positivos no álbum.  

“Ticks & Leeches”, uma bateria bem ritmada inicia a faixa, então, algumas linhas de baixo se junta a ela e criam a seção rítmica, enquanto isso, a guitarra também vai surgindo ao fundo antes da explosão vocal – a única vez em que Maynard grita dessa forma. É uma das partes mais dinâmicas do disco, mas acaba saindo um pouco de direção em alguns pontos – não a ponto de comprometer a música, mas pode demorar mais para ser entendida por um ouvido mais desavisado em relação a banda. Há ainda uma seção suave conduzida pelo baixo que apesar de repetitiva, está cheia de suspense que só favorece a peça.  

“Lateralus” começa de forma muito suave por meio de um riff lento de baixo e guitarra. A faixa então explode em uma sonoridade mais pesada, mas que logo, regressa para uma linha calma, onde inicialmente, a bateria é o instrumento dominante. A peça, a partir desse momento, começa a crescer. Ao mesmo tempo em que a banda soa de forma aventureira, também consegue se manter próximo das suas raízes. Sem dúvida alguma, uma das composições mais brilhantes da banda. “Disposition” é uma peça acústica de muita calma e serenidade. É suave e bonita, mas ao mesmo tempo, também é sombria. As linhas de baixo são criativas e cativantes, enquanto que a bateria é em uma linha tribal rítmica. Entram também na peça algumas pinceladas de guitarra bem padronizadas e de tom elegante. Mesmo soando um pouco repetitiva no final, continua fantástica.  

“Reflection” não é apenas a melhor música do disco, mas certamente a melhor composição de todo o catálogo da banda até hoje. Começa com um trabalho suave de bateria, além de algumas texturas influenciadas por Hawkind e música do Oriente Médio. Possui também alguns elementos tribais e é construída de uma forma muito lenta e metódica. Além disso, essa música também é bastante hipnótica, experimental e progressiva. Mais próximo do fim, a peça se transforma em um rock mais pesado, mas isso não dura muito tempo e ela chega ao fim. São onze minutos de uma verdadeira perfeição.  

“Triad” inicia por meio de um fade-in que vai criando uma certa tensão até o momento que tudo fica musicalmente violento, frenético e furioso – algo que acontece somente por volta dos três minutos. Possui uma grande adrenalina, riffs pesados de guitarra por toda a parte e uma seção rítmica muito bem construída. Uma peça completamente instrumental e pesada, mas que encontra a oportunidade de relaxar e ficar mais calma em determinado ponto. Assim como começou gradativamente em fade-in, ela vai desaparecendo em fade-out. “Faaip De Oiad”, sinceramente, eu acho uma faixa desnecessária e o disco teria um final perfeito se ela não existisse. São apenas alguns ruídos assustadores enquanto que um homem fala sobre seres extra dimensionais que estão lhe perseguindo. Isso soa completamente fora do lugar - mas também não acho que o disco perde o valor de obra-prima por isso.   

Lataralus mostra uma banda atingindo o seu ápice criativo e técnico. Um disco muito bem produzido e arranjado, peso na medida certa e vocais excelentes, além de altamente experimental. Daqueles álbuns que não importa quantas escutas são feitas, ele sempre vai ter o poder de crescer um pouco mais no ouvinte devido a sua complexidade.

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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Um disco de canções bem escritas e executadas com emoção e delicadeza.

Iluvatar - Children (1995)

Esse foi um daqueles casos que eu não esperava muito, e no fim das contas, acabei até mesmo me surpreendendo com o som que me deparei. O nome da banda como alguns já devem suspeitar, foi retirado de Eru Ilúvatar, um personagem fictício das obras de J. R. R. Tolkien. Introduzido em “O Silmarillion”.  

A musicalidade e a performance de cada um dos músicos são de primeira, criando um disco de neo progressivo extremamente consistente. Em se tratando apenas do neo progressivo estadunidense, posso afirmar tranquilamente que ele se encontra no topo entre os melhores já produzidos naquele país. Esse álbum é feito principalmente para aqueles que amam os sons mais sinfônicos do neo progressivo, Children é carregado de teclados pesados na linha de IQ, Pendragon e Marillion, além de possuir canções muito bem escritas e executadas.  

“Haze” é a faixa de abertura. Começa com uma bela melodia de guitarra que logo em seguida ganha a companhia do piano e vocal. Por volta de um minuto e meio se torna mais agressiva. A bateria é bastante enérgica, o baixo pesado e o órgão ótimo. Essa música é uma excelente escolha para a abertura do disco. Possui também umas boas mudanças de clima. Após os cinco minutos de faixa, os vocais ficam mais emotivos e apaixonados, seguido por um belo trabalho de guitarra.  

“In Our Live” começa por meio de uma excelente melodia de guitarra, bateria e órgão. Antes que o vocal apareça pela primeira vez, a peça se estabelece com o órgão. A sonoridade começa a ficar mais cheia. Quando a faixa atinge por volta dos dois minutos e meio, um coro infantil a invade de forma muito positiva. Então que a faixa segue com um solo de guitarra. A música “silencia” por alguns instantes, sendo possível ouvir as crianças ao fundo seguido de alguns acordes de teclado, a peça então vai aumentando o seu som. O coro regressa, seguido por um ótimo trabalho de guitarra enquanto bateria e baixo fazem uma seção rítmica bastante forte. 

“Given Away” tem um início muito bonito por meio de algumas ondas de sintetizadores, enquanto a guitarra é tocada com muito bom gosto. Alguns vocais mais reservados entram, até que por volta de um minuto e meio o som fica mais volumoso – mas sem perder a suavidade e o seu caráter emocional. Por volta dos quatro minutos, é possível perceber uma bateria bastante proeminente, seguido por um excelente solo de guitarra. Uma das melodias mais bonitas do disco.  

“Late Of Conscience” se comparada com as faixas que tivemos até aqui, essa possui uma abertura de atmosfera mais sombria. Sintetizadores pomposos, guitarra chorosa e alguns coros – também feito por sintetizadores. Os vocais entram pouco antes de um minuto e meio, pouco depois a seção rítmica dita o ritmo, dando um som mais completo, incluindo um pouco de guitarra mais crua. Por volta dos cinco minutos e meio há um belo solo de sintetizador, seguido por um solo de guitarra. Se eu fosse pra escolher a melhor parte dessa música, certamente eu escolheria o seu final melancólico.  

“Cracker” é uma faixa que já começa em um clima mais efusivo, batendo fundo no seu primeiro minuto, até que principalmente vocal, sintetizadores e bateria criam uma melodia muito boa. Há uma guitarra muito boa por volta de uns dois minutos e meio e uma melhor ainda depois dos quatro minutos. Por volta dos cinco minutos e meio a banda entrega uma bela melodia com órgão, baixo e guitarra, além de uma bateria que parece vir de todos os lugares. Outro dos grandes momentos do disco.  

“Eye Next To Glass” é uma peça que soa um pouco diferente – mas não quer dizer que não seja uma boa música. Algumas vozes ao fundo antecedem a voz principal que canta por cima de guitarra e teclados de muito bom gosto. Há o uso de flauta, mas como no encarte não fala sobre nenhum convidado, creio que o som seja emulado no teclado. É a faixa mais atmosférica do disco.  

“Your Darkest Hour” começa pegando muito bem o gancho deixado pelos sintetizadores da faixa anterior. Em seguida, há uma ótima melodia com bateria, baixo e guitarra acompanhando os vocais. Pouco antes dos dois minutos e meio, a peça fica mais calma – acho linda essa parte – e depois vai ganhando uma maior velocidade – diminuído novamente e adicionando um ótimo solo de sintetizadores antes do vocal regressar. Após os quatro minutos, há um som maravilhoso que inclui um belo solo de guitarra.  

“The Final Stroke”, passando dos doze minutos, é a faixa mais longa do disco e também a que o encerra. Começa com um bom trabalho de piano – possui mellotron também. Segue com algumas batidas e melodias simples – em alguns momentos o baixo fica em grande evidência. Pouco depois dos dois minutos e meio, a guitarra assume o protagonismo com um belo solo, antes do piano estar de voltar. Nos quatro minutos e meio, quem fica em evidencia é o sintetizador seguido por algumas ondas de mellotron – isso segue até pouco antes dos sete minutos. Agora, depois dos sete minutos, os sintetizadores tem uma clara influência em Tony Banks, pulsante sobre uma seção rítmica muito bem estruturada - há também uma guitarra que começa a dobrar com os sintetizadores. Essa seção é ótima. Então que a peça entra em uma linha de piano solo, mas aos poucos, baixo e bateria se juntam à medida que o som aumenta. O órgão, então “anuncia” o solo de guitarra. A música volta para o tema de piano lá do início, e alguns vocais a encerram. Um grande final de disco.  

Children é um disco que no meio dos amantes de neo progressivo, deve ser visto como obrigatório. Agora se você faz parte dos mais puristas obstinados em busca de inovação, experimentação ou dissonância, aconselho que fique longe dele. Um álbum de canções bem escritas e executadas com emoção e delicadeza.

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Um disco fortemente sinfônico com arranjos muito complexos.

Pollen - Pollen (1976)

Costumo dizer que, ao escutarmos esse disco, estamos diante de uma banda canadense, cantando em francês enquanto soa como uma banda de rock progressivo italiana – embora a influência inglesa também seja forte. Um disco maravilhoso de rock progressivo sinfônico que já começa a ser belo a partir da sua arte na capa. A música da banda oferece uma eletricidade sinfônica e um rock técnico cheio de leveza, acrescentado de um folk acústico e tendências pastorais. Além do progressivo italiano já citado, é possível notar uma influência do Genesis clássico em algumas partes – principalmente em momentos mais agitados do álbum.  

Lançado em 1976, este disco autointitulado contém algumas das melhores e mais impressionantes peças de rock progressivo produzidas na América do Norte. Ao lado da Harmonium e Maneige, podemos dizer que a Pollen formava a trinca das maiores bandas da cena progressiva de Quebec dos anos 70. Mas sua música era a que mais se enraizava no gênero sinfônico em comparação aos seus compatriotas, que tinham suas músicas mais orientadas para o folk, caso da Harmonium, ou fusion, caso da Maneige. A banda uniu uma forte musicalidade e efeitos especiais deslumbrantes, contribuindo assim, de forma sinfônica e em um grau significativo para o mundo do rock progressivo.  

" Vieux Corps De Vie D'ange” é a faixa de abertura que já faz o disco começar de forma sublime, com a banda tratando de dar imediatamente ao álbum seu tom e um excelente exemplo do seu estilo musical único. A faixa oferece uma mistura dramática pomposa e de atmosfera sinfônica repleta de lindas incursões de teclado e vocais extremamente dramáticos. Falando em teclas, se você - assim como eu - é um fã delas, você vai ter muito o que apreciar aqui, piano, órgão e sintetizadores, além de um adorável solo de vibrafone são utilizados lindamente na música.  

“L'étiole” direciona o disco para um caminho mais suave. Abre primeiramente com uma flauta que logo em seguida ganha a companhia do violão e a chegada dos vocais. O resultado disso é um som de grande suavidade e muito agradável. Esse clima mais pastoral encontrado aqui, é muito interessante para que a banda mostre que eles também eram capazes de fazer peças mais amigáveis até mesmo para tocar na rádio.  

“L'indien” faz com que o disco permaneça em um clima de balada. Dessa vez, voz e violão começam simultaneamente. É impressionante como Jacques Rivest consegue colocar sua própria marca na peça e seu vocal melancólico e violão são dolorosamente comoventes. Ainda que seja a faixa “mais simples” do álbum, ela não deixa de ser verdadeiramente requintada. Em resumo, mais uma peça de qualidade que mantém o alto nível do disco.  

“Tout'l Temps” é a faixa mais curta do álbum. Traz o disco para um ritmo mais acelerado, sendo construída sobre uma bateria jazzística e teclado quase sempre frenético. Os vocais são ótimos e as teclas apesar de se destacarem o tempo todo, acho válido citar o solo de sintetizador no meio da música que é incendiário. A banda consegue mostrar mais uma vez que apesar de criar algumas peças de caráter mais pop, não deixa de oferecer toques sinfônicos. A música vai terminando em fade-out.  

“Vivre La Mort” é sem dúvida alguma um dos destaques do disco. Começa com um órgão poderoso que logo ganha a companhia dos vocais. A estrutura musical da peça é construída sobre uma poderosa bateria e acordes teatrais de órgão à medida que a faixa segue em uma crescente. Na parte central, a banda novamente mostra toda a sua natureza sinfônica, as guitarras também vão ganhando força enquanto a música vai se tornando cada vez mais épica antes de chegar ao fim de forma abrupta.  

“La Femme Ailée” é a faixa que encerra o disco e também a mais longa – e melhor - delas com mais de dez minutos de duração. Começa com algumas passagens suaves de violão e um vocal delicado, criando assim, um clima bastante pastoral. Lentamente, vamos percebendo que a faixa vai aumentando em intensidade, agora com alguns sintetizadores também fazendo parte do corpo da peça. Então que, pouco depois dos quatro minutos essa sensação melancólica explode de uma forma grandiosa. A partir disso, o que temos é uma verdadeira aula de músicos incríveis criando mudanças complexas de andamento e linhas instrumentais superlativas. Pouco depois dos seis minutos há um arrepiante solo de órgão que antecipa uma bateria poderosa. A peça ainda entrega um pequeno solo de mini moog e uma excelente guitarra. Os dois minutos finais são um exercício de clímax sinfônico brilhante que agradará qualquer fã do gênero. A peça ainda possui trechos emocionantes e uma execução bem pensada e nítida antes de voltar ao tema principal para poder chegar ao fim. Um final de álbum apoteótico.  

Apenas uma cópia do que já era feito a muito tempo na Europa? Negativo, Pollen por meio desse disco vai muito além, tendo suas influências britânicas e italianas muito bem assimiladas e recicladas de acordo com uma proposta musical original e autêntica. Um disco fortemente sinfônico com arranjos muito complexos que considero essencial para qualquer amante de rock progressivo que admire principalmente o uso extensivo de teclados.

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Muito bom. Mescla bem o calmo, contemplativo, espacial e muitas vezes melódico.

Bo Hansson - Sagan Om Ringen (1970)

Antes de eu ouvir esse disco pela primeira vez, por algum motivo, eu fiz algo que – principalmente hoje - não costumo fazer mais, ou seja, elevei às alturas as minhas expectativas – por mais ansioso que eu esteja -, uma pena, pois acabei me desapontando bastante. Depois e com o passar do tempo, decidi ouvir Sagan Om Ringem novamente, mas dessa vez, de uma maneira completamente despretensiosa, e vejam só, tudo soou muito melhor.  

Primeiramente, sempre vi esse disco classificado como sinfônico em todos os lugares, porém, ele não tem nenhum tipo de conexão com sinfônico, sendo muito mais psicodélico, logo, o ouvinte pode pegar o disco querendo ouvir algo da escola do Yes e Genesis e receber uma música da escola do Pink Floyd. Deixando claro que isso não é um comentário negativo, eu acho ótimo o álbum, mas se você quiser ouvir algo, você precisa ter uma ideia clara do que vai ter pela frente em vez de ficar desapontado por falta de informação. 

Agora, apesar da qualidade da música do álbum, temos que falar sobre a ambição de Bo Hansson, ou melhor dizendo, falar do quanto o músico foi pretensioso e pedante, afinal, querer gravar um disco conceitual sobre uma trilogia de proporções épicas como O Senhor dos Anéis apenas com doze músicas curtas – nenhuma chega nem aos 5:30, enquanto outras sequer chegam aos 2:00 minutos - é um pouco demais. Não há de maneira alguma, tempo nem para um desenvolvimento coerente e nem para uma boa narração musical real, algo que devemos esperar de um disco conceitual - sei que o disco é instrumental, mas também podemos sentir essa narração em trabalhos assim.  

Mas mesmo que a música psicodélica - pra mim - não seja exatamente a melhor maneira de apresentar um disco onde o fio condutor seja a famosa trilogia, eu seria muito injusto se não reconhecesse a qualidade musical encontrada. Hansson, de certa forma, conseguiu fazer soar interessante uma combinação de mundos e sons que na minha cabeça - até aquele determinado momento – eram quase incompatíveis.  

Este é daquele tipo de disco em que a sua resenha não necessita – mesmo porque é muito difícil fazer – de ser faixa a faixa, afinal, é baseado principalmente em sonoridades atmosféricas, teclados e algumas jamming de guitarra, sendo assim, algumas músicas são muito semelhantes as outras, e acaba ficando mais complicado de separá-las na hora de avaliá-lo.  

Em alguns muitos pontos do disco, são possíveis notar que o trabalho de órgão se encontra muito próximo do feito no disco 666 da Aphrodite’s Child, nesse caso, algo extremamente positivo, já que a esplendorosa música canônica ortodoxa grega, também possui um ar que combina muito bem com um livro de uma epopeia do bem contra o mal.  

Se tem um dos músicos integrantes que deve ser mencionado isoladamente, esse integrante é o baterista e percussionista Rune Carlsson, cuja a noção de ritmo e a destreza com que desempenha o seu papel é algo perfeito. Carlsson com certeza cria aquilo que podemos descrever como a coluna vertebral do disco.  

Resumindo, não se trata de um disco de rock progressivo convencional, então, se você quer uma sonoridade impactante e aventureira, assim como é livro alvo do seu conceito, já adianto que você pode ficar desapontado – assim como eu disse que fiquei na primeira vez que eu o ouvi. As coisas aqui funcionam de uma maneira mais atmosférica - muitas vezes obscuras - e com alguns sons medievais. Ainda que, com o passar do tempo, o álbum tenha se tornado menos encantador, Sagan Om Ringen continua a ser um disco muito interessante em qualquer coleção de rock progressivo.

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quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Prepare-se para mais uma imersão em um disco complexo, sofisticado e único de Hiromi.

Hiromi Uehara - The Trio Project: Voice (2011)

Assim como aconteceu com o seu disco, Time Control, considero Voices um dos melhores discos de jazz-fusion do século XXI. Além do fato de Hiromi ser uma pianista incrível e muito virtuosa, ela também sabe escrever melodias extremamente cativantes por meio de uma maneira de tocar que mais parece estar brincando com o instrumento – o que não deixa de ser uma verdade. 

Este álbum viu Hiromi estrear sua unidade de gravação chamada Trio Project, com Anthony Jackson e Simon Phillips se juntando a ela no baixo e bateria, respectivamente. Naturalmente, os holofotes estão principalmente nas performances de piano e teclado de Hiromi. Embora os álbuns subsequentes tenham uma influência de rock progressivo mais proeminente, aqui isso parece um pouco reduzido.  

O disco começa por meio da faixa título. Inicia-se de uma maneira muito doce em uma progressão de piano muito sombria. Então tudo se transforma em uma nota sendo tocada repetidamente com a mão direita enquanto que a esquerda faz algumas variações. O trio aos poucos vai se posicionando e trazendo uma melodia muito boa que se solidifica primeiramente em uma linha funk. A música ainda segue em outras boas variações. Também é a mais longa do discom com mais de nove minutos. Um excelente prato de entrada para uma refeição musical de primeira.  

“Flashback” mantém o disco em um clima muito contagiante. Hiromi muitas vezes explora um caminho mais calcado no hard bop acústico. De forma implacável, como sempre, os solos de Hiromi vão surgindo um após o outro muito bem conectadao, fazendo que tudo seja percebido com clareza e o ouvinte entenda de onde tudo vem e para onde vai. “Now or Never” é onde a pianista usa também sintetizadores pela primeira vez. Tem um começo de certa forma com ataque total de todo o trio, mas não demora muito para que bateria e baixo ocupem o banco de trás, enquanto que Hiromi assume o protagonismo. Mas apesar disso, também é possível notar uma boa troca entre ela e o resto da banda em uma voz musical mais coletiva que nas faixas anteriores.  

“Temptation” considero a música mais fraca do disco. Não a considero necessariamente ruim, mas não assume riscos e carece ao menos de alguma das Inflamabilidades complexas que os projetos envolvendo Hiromi costumam apresentar. Em vários momentos, a peça parece que vai decolar, mas sempre acaba cessando antes que isso aconteça. Até pode ser uma boa faixa, mas serve muito mais como um momento de descanso dentro do álbum. “Labyrinth” é aquele tipo de música instrumental que tem um nome bastante propício para o que ela entrega. De certa forma, soa muitas vezes confusa como um labirinto e pode deixar um pouco perdido muitos dos ouvintes menos acostumados a um tipo de som assim. Na segunda metade, além de toda a musicalidade de Hiromi, vale perceber as linhas incríveis e imponentes do baixo de Jackson.  

 “Desire” é mais um dos momentos de influência funk e que além do piano, também faz o uso de sintetizadores. Falar dos grooves em músicas desse trio é como chover no molhado, mas acho válido mencioná-lo aqui, pois eles são combinados com alguns riffs progressivos e que são misturados com um jazz mais clássico. “Haze” é parte solo obrigatória de Hiromi. Por ser solo, também é mais difícil de citar onde a faixa se destaca mais, pois o que ouvimos é uma entrega apaixonada ao piano do começo ao fim de uma das maiores do instrumento da atualidade.  

“Delusion” é a faixa que costumo dizer que se algum dia eu tiver a felicidade de assistir um show da Hiromi, ele só vai estar completo se ela for tocada. Quanto brilhantismo e sensibilidade juntos em uma peça. Pode até ser apreciada apenas como uma “típica” peça de jazz, mas ela entrega mais do que isso, ela entrega um balanço maravilhoso. “Beethoven's Piano Sonata No. 8, Pathetique” é o trecho mais desafiador do disco e o motivo está no seu título, afinal, trazer uma peça clássica de Beethoven para o formato jazz trio de Hiromi não é fácil. Mas no fim, essa transformação para uma balada jazzística ficou maravilhosa. A peça de Beethoven é quebrada em uma linha de acenos blueseiro, além de ser uma faixa que finaliza o disco de brilhantemente – apesar da sutileza.  

Apesar de “Temptation” não ter a mesma força das demais faixas, também não possui força o suficiente para tirar desse disco o status de obra-prima. Voice é mais um dos registros que comprovam que Hiromi Uehara é uma das maiores joias instrumentistas de sua geração. O resultado final obtido é complexo, sofisticado e único, imergindo o ouvinte em mais uma experiência do mais alto nível do jazz contemporâneo.

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Prepare-se para imergir em um mundo encantado limitado apenas por sua própria imaginação.

Gandalf's Fist - A Forest of Fey (2014)

Imagine você, caminhando tranquilamente por uma floresta próxima a sua casa, durante um dia nublado e prestes a cair uma tempestade. Bom, até aí tudo bem, mas enquanto uma pessoa normal, digamos assim, ao regressar para casa, vai, por exemplo, tomar um banho e assistir TV, além de ouvir o barulho da chuva que naquele momento provavelmente já estaria caindo, Dean Marsh voltou com a ideia de um disco conceitual completamente planejada na sua cabeça. Forest of Fey tem como fio condutor a história de uma jovem que acaba se perdendo em uma floresta, com isso, conhece vários personagens estranhos e encantados durante a sua jornada.

As músicas do disco realmente nos dão a sensação de estarmos imersos em uma floresta feérica e deslumbrante. A banda usa de múltiplas influências musicais e momentos falados que se combinam muito bem uns com os outros. Durante o disco, é possível perceber acenos a vários artistas e bandas diferentes, como, Steve Hackett, Jethro Tull, Genesis, Phideaux, Iron Maiden, e, acredite, até mesmo Gary Moore, porém, sempre se mantendo dentro de uma singularidade, que é o que faz da banda algo tão interessante de ouvir, com tudo sendo executado dentro de um padrão bastante alto de estilo e técnica.  

“Childhood Ghosts” começo o disco por meio de alguns efeitos sonoros e um monólogo teatral, com a banda logo nos primeiros segundos do disco querendo colocar o ouvinte dentro de uma floresta misteriosa e assustadora. Uma melodia entre o folk e o space rock toma a frente, enquanto os vocais melódicos se acentuam bem dentro do clima criado. São menos de dois minutos e meio, porém, mesmo assim, é um começo de álbum dramático e poderoso. Sem qualquer tipo de intervalo, a peça emenda com a faixa seguinte. “Gardens of the Lost” começa com a mesma sonoridade folk e space rock, além de alguns vocais femininos que se estabelecem muito bem, primeiramente junto da musicalidade serena e depois quando a banda entra completa e a peça passa a entregar quase um metal progressivo. A flauta faz com que o ouvinte imagine como seria se o Jethro Tull tocasse um som pesado.   

“A Forest of Fey (Including Wisdom of the Reptile and the Lament for a Silent Verse)”, com mais de oito minutos e meio, é a maior peça do disco e com certeza uma das mais diversas. Bastante emocionante e melódica, também entrega momentos guiados por um ritmo de balada progressiva, outros em que seções mais pesadas tomam de conta, chegando ao ponto de sentirmos um certo caos na música. No geral, funciona muito bem, além de ser bastante coerente dentro das suas variedades. “The Figure Speaks” é uma peça de pouco mais de 40 segundos, sendo literalmente um monólogo que serve como introdução para a música seguinte. Ao fundo apenas uma sonoridade atmosférica. “The World We Created” é mais uma faixa bem diversificada, começando bastante animada, mas logo fica suave e com ar de mistério. Os refrãos aqui são muito cativantes. No geral, é uma música bastante forte e com uma ampla gama de sons e vibrações. 

“The Circus in the Clearing (Including the Fanfare for the King's Tournament)” é mais uma música maravilhosa. Começa com teclados que são um pouco circenses e dramáticos ao mesmo tempo antes da entrada de vocais que soam quase psicodélicos. A mudança de ritmo que começa em 2:41 e tem o seu ápice a partir dos 2:58 é sensacional e que inclui um belo solo de guitarra. Uma música que se desenvolve tão bem, que eu acho seus quase 5 minutos um tempo muito pequeno, poderia ter mais disso no álbum. Com certeza um dos melhores - senão o melhor – momento do álbum. “Blood for a Royal Pardon” é mais uma peça curta, basicamente uma balada progressiva onírica.  

“Drifter on the Edge of Time” é mais um dos destaques do disco. É brilhante a maneira como a banda harmoniza cada um dos itens progressivos e psicodélicos. Quando a banda entrega vocais masculinos e femininos trabalhando juntos é sempre um show à parte. Uma peça muito elegante e charmosa, onde mesmo sendo essencialmente uma balada, chega a ficar mais forte nas suas seções posteriores. “Forest Rose (Coming Home)” começa por meio de uma sonoridade bastante celta e algumas referências nítidas à música do Jethro Tull – e nem digo só pela flauta. No geral, é um rock progressivo completo, além de melódico e poderoso. Adoro também o solo de guitarra. 

“Return from the Tournament”, com pouco mais de dois minutos, é uma balada progressiva muito bonita e dramática. “Stories Old and Stories Told (Of Children Brave and Children Bold)”, como boa parte do disco, é bastante melódica, sendo construída em uma progressão crescente. O que percebo muito nos solos de guitarra desse disco, é que eles edificam bastante às peças. Essa música tem uma energia incrível, e eu quando ouvi esse disco pela primeira vez, a escolheria para fechar o álbum - mas depois que ouvi a última peça, entendi o motivo dela ser a escolhida. “A Poison Tree” é mais uma das músicas curtas. Encerra o álbum brilhantemente em seus pouco menos de 3 minutos, a maneira como os efeitos e a teatralidade acontece parece trazer o ouvinte de volta à cena de onde tudo começou. Ainda tem o melhor, para um amante de poesia igual eu, achei interessante a faixa ter o mesmo nome de um poema de William Black, “A Árvore Envenenada”, porém, é muito além disso, a letra da música é o próprio poema.  

Um disco lindo, se fosse um filme, acho que poderia ser algo na linha de O Labirinto. Tudo é muito bem-produzido dentro de inúmeros detalhes, além de cuidadosamente trabalhado, fazendo que no fim das contas, todas as suas minúcias respirem e ofereçam algo diferente ao ouvinte cada vez que ele se permitir entrar nesse mundo de fantasia. Portanto, prepare-se para imergir em um mundo encantado limitado apenas por sua própria imaginação.  

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Um disco de rock progressivo, mas que não é totalmente preso ao gênero, suas incursões de jazz rock/fusion, por exemplo, são sensacionais.

CzesŁaw Niemen - Niemen Aerolit (1975)

Sempre achei a Polônia um país muito subestimado em relação ao rock progressivo. Se hoje temos o Riverside – citando só eles por serem indiscutivelmente o maior nome daquele país, mas claro que há várias outras bandas polonesas hoje em dia fazendo música boa - que levanta merecidamente a bandeira do país pelo mundo, acho válido que todos saibam que alguns nomes já faziam isso até mesmo no final dos anos 60 e durante toda a década de 70 e 80. Nomes como, SBB, Marek Grechuta, Klan, Exodus - não é o mesmo que você pode estar pensando -, Budka Sulfera e Czeslaw Niemen preencheram muito bem a participação da Polônia dentro do circuito progressivo de todas essas épocas. Escolhi um disco desse último nome citado – o meu preferido – para deixar algumas impressões e valorizar alguém desconhecido por muitos e bastante esquecido por aqueles que o conheceram um dia. 

Aerolit é daqueles discos capaz de surpreender muito o ouvinte já na sua primeira música. O álbum não é apenas de rock progressivo clássico, há também uma quantidade substancial de jazz-rock e fusion. Sua música varia entre excelentes trabalhos de sintetizadores e linhas fantásticas de guitarra como instrumentos guias, porém, estes não teriam a mesma força se não fossem amparados sempre por uma seção rítmica extremamente envolvente. Obviamente, jamais devemos esquecer de comentar sobre a voz incrível de Niemen. Se você não tiver nenhum problema com o idioma polonês, prepare-se para ouvir um vocalista sensacional, que canta de uma maneira muito emotiva e que se destaca tanto quanto a rica musicalidade do disco – embora eu acredite que algumas pessoas o possam achar meio exagerado.  

“Cztery Ściany Świata” inicia o disco por meio de uma seção rítmica que logo ganha a companhia de sintetizadores e guitarra que dobram entre si. Os primeiros vocais surgem e parece que mudamos de rock progressivo para o blues, porém, não demora muito e a faixa se redireciona para uma linha musical mais técnica, onde há um excelente revezamento entre solos de sintetizadores e guitarra. Eu também adoro o trabalho de Mellotron nessa música, que embora pouco apareça, sempre que acionado, emerge com ele uma atmosfera sinfônica maravilhosa. Na sua parte final, a peça fica intensa, com os instrumentos sendo tocados com muito fervor sob vocais fortes que impressionam.   

“Pielgrzym” tem um começo lúgubre por meio de sintetizadores, então alguns vocais quase falados parecem fazer algum tipo de ritual. Os sintetizadores seguem com o ar atmosférico e até um pouco influenciado na música do Oriente Médio, enquanto os vocais quase à capela se mantem cheio de personalidade. A seção rítmica entra de forma suave somente por volta dos 5 minutos, enquanto as guitarras mais à frente ainda. É uma música muito mais difícil de digerir do que a anterior, porém, gosto da sua forma quase perturbadora de se desenvolver. “Kamyk”, sintetizadores entregam um começo de música mais espacial, então um rufo de bateria e o Mellotron se sustentam por alguns segundos. Esse começo é bastante sinfônico. O lado mais jazzístico de Niemen pode ser visto com clareza nessa música por meio de sua musicalidade cheia de groove. A seção instrumental central é excelente, todos os instrumentos estão incríveis, mas vou destacar a seção rítmica que faz qualquer um mexer as pernas ou bater o pé no chão, mesmo que seja involuntariamente.  

“Daj Mi Wstążkę Błękitną” é a balada do disco. Novamente, o Mellotron se faz bem presente e de forma muito intensa antes dos vocais – esses mais comedidos - entrarem pela primeira vez. As teclas e a guitarra entregam uma peça quase soul – o solo de teclado é maravilhoso e as linhas frenéticas de guitarra são excelentes. Em uma música com essa pegada é óbvio que Niemen não ia deixar de entregar vocais poderosos e enérgicos. “Smutny Ktoś I Biedny Nikt” começa por meio de uma musicalidade que é puro jazz-fusion e que logo ganha a companhia dos vocais, nessa parte a seção rítmica está reluzente. Apesar dos vocais – como em todo o álbum - serem maravilhosos, a música brilha mesmo é em suas passagens instrumentais, todos os instrumentos estão triturantes. As teclas, mais uma vez, entregam alguns solos incríveis, com isso, Niemen mostra que não é apenas um excelente vocalista, mas instrumentista.  

Sempre que faço resenhas de discos cantados em idiomas que fogem do inglês ou de línguas de descendência latina, como, por exemplo, o espanhol ou italiano, em algum momento eu gosto de deixar claro que, se você é um ouvinte que coloca em si barreiras em relação idiomas “pouco convencionais”, fazendo que isso o atrapalhe na hora de ouvir determinadas músicas, provavelmente 40% da experiência plena aqui será perdida, afinal, Niemen não é apenas um simples vocalista, ele muitas vezes grita a plenos pulmões em desempenhos brilhantes que fazem este disco ser o que ele é, porém, em polonês, e isso talvez não agrade algumas pessoas.  

Mas vamos deixar de lado esse preconceito – que considero bobo – em relação ao idioma que alguns ouvintes têm e vamos falar o que Aerolit entrega musicalmente. Um disco de rock progressivo sinfônico, mas que não é totalmente preso ao gênero, suas incursões de jazz rock/fusion, por exemplo, são sensacionais. Portanto, já que hoje existe uma facilidade enorme pra quem quer consumir música, que tal fazer com que Aerolit chegue em mais pessoas e se transforme em um clássico, ainda que tardiamente? 

Contato: progrocksociety85@gmail.com


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