Assim como aconteceu com o seu disco, Time Control, considero Voices um dos melhores discos de jazz-fusion do século XXI. Além do fato de Hiromi ser uma pianista incrível e muito virtuosa, ela também sabe escrever melodias extremamente cativantes por meio de uma maneira de tocar que mais parece estar brincando com o instrumento – o que não deixa de ser uma verdade.
Este álbum viu Hiromi estrear sua unidade de gravação chamada Trio Project, com Anthony Jackson e Simon Phillips se juntando a ela no baixo e bateria, respectivamente. Naturalmente, os holofotes estão principalmente nas performances de piano e teclado de Hiromi. Embora os álbuns subsequentes tenham uma influência de rock progressivo mais proeminente, aqui isso parece um pouco reduzido.
O disco começa por meio da faixa título. Inicia-se de uma maneira muito doce em uma progressão de piano muito sombria. Então tudo se transforma em uma nota sendo tocada repetidamente com a mão direita enquanto que a esquerda faz algumas variações. O trio aos poucos vai se posicionando e trazendo uma melodia muito boa que se solidifica primeiramente em uma linha funk. A música ainda segue em outras boas variações. Também é a mais longa do discom com mais de nove minutos. Um excelente prato de entrada para uma refeição musical de primeira.
“Flashback” mantém o disco em um clima muito contagiante. Hiromi muitas vezes explora um caminho mais calcado no hard bop acústico. De forma implacável, como sempre, os solos de Hiromi vão surgindo um após o outro muito bem conectadao, fazendo que tudo seja percebido com clareza e o ouvinte entenda de onde tudo vem e para onde vai. “Now or Never” é onde a pianista usa também sintetizadores pela primeira vez. Tem um começo de certa forma com ataque total de todo o trio, mas não demora muito para que bateria e baixo ocupem o banco de trás, enquanto que Hiromi assume o protagonismo. Mas apesar disso, também é possível notar uma boa troca entre ela e o resto da banda em uma voz musical mais coletiva que nas faixas anteriores.
“Temptation” considero a música mais fraca do disco. Não a considero necessariamente ruim, mas não assume riscos e carece ao menos de alguma das Inflamabilidades complexas que os projetos envolvendo Hiromi costumam apresentar. Em vários momentos, a peça parece que vai decolar, mas sempre acaba cessando antes que isso aconteça. Até pode ser uma boa faixa, mas serve muito mais como um momento de descanso dentro do álbum. “Labyrinth” é aquele tipo de música instrumental que tem um nome bastante propício para o que ela entrega. De certa forma, soa muitas vezes confusa como um labirinto e pode deixar um pouco perdido muitos dos ouvintes menos acostumados a um tipo de som assim. Na segunda metade, além de toda a musicalidade de Hiromi, vale perceber as linhas incríveis e imponentes do baixo de Jackson.
“Desire” é mais um dos momentos de influência funk e que além do piano, também faz o uso de sintetizadores. Falar dos grooves em músicas desse trio é como chover no molhado, mas acho válido mencioná-lo aqui, pois eles são combinados com alguns riffs progressivos e que são misturados com um jazz mais clássico. “Haze” é parte solo obrigatória de Hiromi. Por ser solo, também é mais difícil de citar onde a faixa se destaca mais, pois o que ouvimos é uma entrega apaixonada ao piano do começo ao fim de uma das maiores do instrumento da atualidade.
“Delusion” é a faixa que costumo dizer que se algum dia eu tiver a felicidade de assistir um show da Hiromi, ele só vai estar completo se ela for tocada. Quanto brilhantismo e sensibilidade juntos em uma peça. Pode até ser apreciada apenas como uma “típica” peça de jazz, mas ela entrega mais do que isso, ela entrega um balanço maravilhoso. “Beethoven's Piano Sonata No. 8, Pathetique” é o trecho mais desafiador do disco e o motivo está no seu título, afinal, trazer uma peça clássica de Beethoven para o formato jazz trio de Hiromi não é fácil. Mas no fim, essa transformação para uma balada jazzística ficou maravilhosa. A peça de Beethoven é quebrada em uma linha de acenos blueseiro, além de ser uma faixa que finaliza o disco de brilhantemente – apesar da sutileza.
Apesar de “Temptation” não ter a mesma força das demais faixas, também não possui força o suficiente para tirar desse disco o status de obra-prima. Voice é mais um dos registros que comprovam que Hiromi Uehara é uma das maiores joias instrumentistas de sua geração. O resultado final obtido é complexo, sofisticado e único, imergindo o ouvinte em mais uma experiência do mais alto nível do jazz contemporâneo.
Contato: progrocksociety85@gmail.com
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