domingo, 17 de setembro de 2023

Ricamente baseado nas tradições do rock clássico e progressivo, Night Dreams & Wishes é facilmente digerido por aqueles bem calejados nos gêneros.

Modern-Rock Ensemble - Night Dreams & Wishes (2019)

Se no seu primeiro disco, Touch The Mystery, Vladimir Gorashchenko, junto da Modern-Rock Ensemble, o músico já havia entregado algo considerado perfeito, seria possível haver uma melhora em sua segunda oferta? Antes de ouvir Night Dreams & Wishes, admito que minha resposta seria não, mas real é que o que era incrível, conseguiu melhorar, os valores de produção, sofisticação composicional e melódica, qualidades de som e engenharia, enfim, tudo melhorou drasticamente. Entre um dos muitos músicos que acompanham Vladimir no disco, está Max Velychko, uma espécie de braço direito de Antony Kalugin na Karfagen.  

Night Dreams & Wishes é daqueles discos em que não demora muito para que estejamos extremamente impressionados com tudo o que está acontecendo. Uma mistura precisa de rock progressivo clássico com ideias musicais frescas, linhas de jazz rock suave junto de sintetizadores espaciais, partes oníricas de sonoridade folk que contrastam com momentos mais bombásticos e sinfônicos e até mesmo algumas pinceladas de metal progressivo.  

"Inro - Night, Universe And Our Inner Space” inicia o disco e com os seus apenas 3 minutos entrega uma peça bastante serena e espacial que serve como despertar para o que virá a seguir. “Overture”, assim como a anterior, também é uma peça totalmente instrumental e novamente bastante agradável, apresentando vários temas melódicos que irão aparecer durante os quase 80 minutos de disco.  

“Night Comes. Dreams” inicia com um forte aceno à música de Steve Hackett por meio de violão clássico, flauta e sintetizador. Mais à frente, os vocais entram pela primeira vez, ora em um revezamento masculino e feminino, ora ambos cantando juntos, inclusive, os vocais são menos proeminentes aqui do que no álbum anterior. Uma faixa que durante os seus mais de 11 minutos, passeia por paisagens exuberantes e também acessíveis sempre muito bem orquestradas. A peça também possui muitas texturas suaves e pastorais, com destaque, principalmente, para os instrumentos de sopro e uma guitarra mais pesada que entrega um excelente solo mais próximo do fim, quando a música ganha em seu direcionamento uma sonoridade na linha fusion/jazz-rock. “Barocco Scherzo” possui pouco mais de dois minutos. Uma flauta doce com órgão de igreja cria uma sonoridade medieval até que a peça se torna um jazz por alguns segundos e encerra com o tema central feito pela flauta e órgão.  

“Childhood & School Days” traz uma introdução meio caótica que é muito boa. Talvez, a música mais pessoal do disco, pois reflete muitas experiências da própria infância de Vladimir. Após o começo efusivo, tudo se torna sereno, com um piano muito bonito e emocional que logo recebe a companhia do Mellotron, flauta, até que por último, entra o violão junto de uma canção de ninar – em um curto período bateria e baixo aumentam o ritmo da peça que não demora para silenciar novamente. Mas é próximo dos 7 minutos que a música se direciona para uma linha mais pesada liderada por guitarra e sintetizador, então os vocais entram em um tom bastante enérgico. A combinação dos instrumentos é maravilhosa e mantem a faixa pesada, progressiva e sólida. Bem próximo do fim, suaviza pela última vez, com uma “caixa de música” terminando a peça. “Insomnia” parece ter sido tirada de algum disco da cena 70’s de Canterbury. Dirigida principalmente por flauta, também possui uma série de exercícios de música de vanguarda. É uma faixa um pouco dissonante e até mesmo perturbadora, ainda que dentro da sua leveza.  

“Dark Kingdom & The Evil King” possui as partes 1, 2 e 3, mas eu gosto de apreciá-la e avaliá-la como um todo, totalizando em um épico de mais de 28 minutos. Curiosamente, apesar do nome dar a entender que se trata de uma história fantasia, na verdade, trata de um tema sempre atual e verdadeiro, o uso de peões para travar as guerras provocadas pelos políticos e líderes do mal de todo o mundo, e essas 3 faixas nos movem através de sua música por manobras malignas desses incitadores de guerra. De começo sombrio e mais pesado, passando por linhas mais leves e nostálgicas, a forma sincera com que a peça é sempre cantada acaba entregando um resultado muito eficaz. Extremamente progressiva, com diferentes andamentos, estilos, humores e mudanças que podem ir desde a música barroca ao metal progressivo, chegando a dar a impressão que essas três músicas é um álbum dentro de um álbum. Possui excelentes solos de guitarra, sintetizador e órgão. Tudo é tão hipnotizante, que os seus 28 minutos passam rapidamente e nem percebemos, já indicando que dezenas de vezes serão necessária para que o ouvinte possa de fato entender tudo o que acontece nela. Uma obra-prima ambiciosa que é até difícil de acreditar que a maior parte de tudo isso tenha saído da mente de apenas uma pessoa.  

“Wake Up” começa por meio de alguns cantos de pássaros e sintetizadores antes da entrada de um belíssimo violão. É possível perceber, um pouco de The Flower Kings nessa música. Possui melodia e ritmo agradável. Uma música simples para respirar após o épico anterior e para preparar o ouvinte para o final do álbum. “Final/Outro”, como o nome sugere, é a peça que encerra o disco, com um começo sereno de violão, mas que logo se torna mais técnica e progressiva, com excelentes camadas de sintetizadores e toques de órgão, uma seção rítmica encorpada e sólida, além de guitarras pesadas. Mas então, entra em um interlúdio no piano seguido de um violão para que o ouvinte seja levado à parte vocal final, que é envolvida pelos sons espaciais com os quais estamos familiarizados desde a introdução do disco.  

O que dizer de um disco desse depois de ouvi-lo e aplaudi-lo de pé? Costumo dizer que nos tempos de hoje, um disco de quase 80 minutos pode não ser tão atrativo – embora eu não veja problema -, pois a maioria das pessoas precisam de uma gama muito mais dinâmica de mudanças, e ficar “presa” em algo por quase uma hora e vinte pode não ser tentador, mas acredite, Night Dreams & Wishes tem o tempo que era necessário ter e garanto que você não vai se arrepender de ouvi-lo do começo ao fim. As composições exibem uma gama de complexidades, mas nunca vão muito longe nas extremidades da estranheza, embora dissonâncias e angularidades apareçam de tempos em tempos. Ricamente baseado nas tradições do rock clássico e progressivo, Night Dreams & Wishes é facilmente digerido por aqueles bem calejados nos gêneros. 

   Contato: progrocksociety85@gmail.com


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